quinta-feira, 30 de junho de 2011

Poema de Drummond:

 

 

 

AUSÊNCIA

 

 

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.







-
 
 
Do livro Corpo.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

E o Guattari?...



De modo algum podemos dizer que Félix Guattari (d) cumpre um papel coadjuvante na obra que escreveu com Gilles Deleuze (e).

Nas rápidas páginas de As três ecologias (Les trois écologies), publicado no Brasil pela editora Papirus com tradução de Maria C. Bittencourt, podemos perceber que Guattari assinala a importância de uma subjetividade que não para de nascer, que nunca cessa em seu processo de construção, que jamais se endurece...


Leia um fragmento:


Fazer emergir outros mundos diferentes daquele da pura informação abstrata; engendrar Universos de referência e Territórios existenciais, onde a singularidade e a finitude sejam levadas em conta pela lógica multivalente das ecologias mentais e pelo princípio de Eros de grupo da ecologia social e afrontar o face a face vertiginoso com o Cosmos para submetê-lo a uma vida possível — tais são as vias embaralhadas da tripla visão ecológica. Uma ecosofia de um tipo novo, ao mesmo tempo prática e especulativa, ético-política e estética, deve a meu ver substituir as antigas formas de engajamento religioso, político, associativo... Ela não será nem uma disciplina de recolhimento na interioridade, nem uma simples renovação das antigas formas de "militantismo". Tratar-se-á antes de movimento de múltiplas faces dando lugar a instâncias e dispositivos ao mesmo tempo analíticos e produtores de subjetividade. Subjetividade tanto individual quanto coletiva, transbordando por todos os lados as circunscrições individuais, "egoisadas", enclausuradas em identificações, e abrindo-se em todas as direções: do lado do socius, mas também dos Phylum maquínicos, dos Universos de referência técnico-científicos, dos mundos estéticos, e ainda do lado de novas apreensões "pré-pessoais" do tempo, do corpo, do sexo... Subjetividade da ressingularização capaz de receber cara-a-cara o encontro com a finitude sob a forma do desejo, da dor, da morte...


Você pode baixar o livro ao clicar na capa:

segunda-feira, 27 de junho de 2011

História da Prostituição



Glória a Vênus
     Apresentamo-lhes um curioso texto do final do século XIX, atribuído, entre outros estudiosos, a Pedro Dufour: História da prostituição em todos os povos do mundo desde a mais remota antiguidade até aos nossos dias. Dividido em 5 tomos, este pretensioso primeiro volume é "uma obra necessária aos moralistas, útil aos homens de ciência e letras e interessante para todas as classes", como aparece escrito em sua capa.



Leia um parágrafo:



Na ocasião em que a prostituição tende visivelmente a desaparecer, sumindo-se da recordação dos homens e dos costumes dos povos, pareceu-me oportuno o ensejo de lhe escrever-mos a história. O historiador apodera-se do passado, reanima e faz viver o que não existe para ensinamento do presente e do porvir, e dá corpo e voz à tradição. O vasto e curiosísimo assunto de que vamos tratar, socorrendo-nos da erudição e estribando-nos na mais servera prudência, assunto delicado e ao mesmo tempo escabroso, liga-se intimamente à história das religiões, das lei e dos costumes, mas foi sempre cuidadosamente posto de parte pelos escritores, que tomaram a peito historiar os costumes, as leis e as religiões antigas e modernas. Só alguns arqueólogos, como Meursio, Laurencio, Musonio etc, se atreveram a tratar dele em extensas dissertações latinas, em que a língua de Juvenal pôde corajosamente arrostar com a escabrosidade das palavras e dos fatos.



Abaixo há um link para download:







quarta-feira, 22 de junho de 2011

Nosso Poema Perto, Nós Longe


Megan Roodenrys. Theresa.



Por mais de um minuto,
sentido absoluto,
sem lógica mesmo, 


sabia, intuia, sem lógos,
que não voltaria mais.


Seria exato
juntar-me aos seus lábios
antes de se afastarem,
mas na sombra, noutro tempo...









Soluço outro silêncio, 
seu corpo é quieto, 
é quase um convento,
é um pouco deserto.


E não voltou,
tinha certeza.


                        Ora,

                                o que era Longe



                     entregou-se ao instante


                      que ninguém convidou.


                                     Deplorável...




                          E o que estava Perto



                            ergueu-se no vácuo



                        de um voo improvável




ANA BORM e Sérgio L. Nastasi (Junho 2011)

sábado, 18 de junho de 2011

o eterno retorno
dos teus versos tortos

um alívio
um consolo
contra a praga dos vivos mortos

no inverno o meu torno
é vil
como os porcos
e quando a lama é pouca
mergulho
no mundo das possíveis ideias

sem trocar a roupa
vou nu
no mundo como as centopeias
vou como quem vai as soltas
as loucas
na implacável nudez da matéria

pelo deus do pelo que arrepia
miséria
as louças que me aguardem
mulheres
esperem
a vaidade é bobagem

o que resta é suor
vadiagem
e aragem

imagem
postagem
pra quem?
pra quem?


Sérgio L Nastasi e Leandro Acácio (Junho 2011)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Como escrever sobre o samba de Eduardo Gudin?



Como dizia Chico Buarque: "Na caixinha um novo amigo, vai bater um samba antigo pra você rememorar..." (Com açúcar e com afeto)


Não adianta falar de samba. Não adianta escrever sobre samba. Sim, sentimos e tentamos dizer ou escrever razoavelmente o que sentimos ao ouvir, por exemplo, Desperdício ou Choro do amor vivido, mas não conseguimos fazer isso. Em Desperdício, uma cuíca perpassa todo o instrumental de maneira a dramatizá-lo. A cuíca, ali, é o instrumento mais dramático da canção. Parece ter sido todo o "resto" desse samba que, em seu proveito, se armou. Armar um samba: era isso que queríamos dizer, se queremos ainda abraçar conceitos para designá-lo. Podemos marcar, antes de tudo, uma vontade de descrever o que se sente. Não é complicado entender o que as pessoas querem quando escrevem a respeito de um pintor, de um disco, de uma escultura. Mas e aquele momento específico, aquela virada que nego dá com a mão fazendo a cuíca dar um fino latido? Ninguém fala de trechos exatos; às vezes nem mesmo os músicos. Fala-se sobre as letras demasiado, faz-se delas grandes análises, porém nada dizem daquele sonoro agogô no finalzinho de Deixa teu mal e marcadamente em Sem jeito que, por sua vez, é bem levada por "espertos" tamborins. E a gente vai "ficando sem jeito demais" para combinar as letras e inventar uma literatura do samba. Aliás, como isso seria possível se dissemos que para isso "nada adianta"? Talvez sigamos o que recomendava o velho Chico, vamos apenas rememorar, simplesmente:

 http://www.4shared.com/audio/U8esHi--/06_Sem_Jeito.html

http://www.4shared.com/audio/N_F9r_4Q/07_Desperdicio.html

http://www.4shared.com/audio/gllXe6Lx/10_Choro_Do_Amor_Vivido.html

http://www.4shared.com/audio/iAPFOHHq/11_Deixa_Teu_Mal.html

sábado, 11 de junho de 2011

com certeza

quando digo me seduz
com certeza me conduz
a um rumo caprichoso

quando digo me complete
com certeza me sugere
um começo duvidoso

quando digo me guarde
com certeza me responde
com um suspiro silencioso

quando digo me reviro
com certeza me refiro
a um avesso luminoso

quando digo que não digo
com certeza me atrevo
a duas línguas repartidas

quando digo me aguarde
com certeza me aplaude
com as mãos escondidas

quando digo com certeza
com certeza me diz sim
a um sempre delicioso

Ana Borm e Sérgio L. Nastasi (Junho 2011)

terça-feira, 7 de junho de 2011

PAULINHO DA VIOLA E A CRÔNICA DE SEUS SAMBAS



SÉRGIO LIMA NASTASI





       O jogo do bicho é uma espécie de subcrime, ou melhor, uma contravenção. Sabemos da sua importância, da sua relação (in)direta com a própria confecção do carnaval carioca. Alguns dirigentes, podemos dizer, algumas personagens ou personalidades das Escolas de Samba, tornaram-se assim quase que folclóricas. Ora, Seu Natal da Portela, por exemplo, era "bicheiro". Aqui, ainda que timidamente, queremos mostrar que, no que se refere a estas práticas, à malícia ou malemolência da vida suburbana (como dizem), o samba perpassa por aí com seu olhar crônico e procura emplacar letras que, em torno de uma vivência sempre dita de antemão como periférica, destaca tais personagens e costumes.

      Vemos que em seu samba, Paulinho da Viola recorre a diversos assuntos desse modo. Tomemos alguns de seus versos para elucidar isso, como tão logo aparece em Pode guardar as panelas:

Dei pinote adoidado/ pedindo emprestado e ninguém emprestou/ fui no seu Malaquias/ querendo fiado mas ele negou/ meu ordenado apertado, coitado, engraçado/ desapareceu/ fui apelar pro cavalo, joguei na cabeça/ mas ele não deu.[1]

Ou mesmo na letra de No pagode do Vavá, onde menciona a loteria:

Um assovio de bala cortou o espaço e ninguém machucou/ muito malandro corria quando Elton Medeiros chegou./ Minha gente não fique apressada que não há motivo pra ter correria./ Foi um nego que fez 13 pontos e ficou maluco de tanta alegria.[2]


Os “compositores do morro”, sambistas do chamado “samba de raiz”, sempre reportaram em seus versos — sejam eles registrados em discos ou improvisados como em forma de partido alto — uma espécie de crônica. A nossa concepção de crônica, aqui, consiste exatamente nesse ponto de vista, nessa análise voltada para o cotidiano na medida em que é feito um exame sagaz da vida, o olhar crônico ao contar suas próprias histórias numa espécie de jornalismo espontâneo, de narrativa natural.





Um caso curioso aparece em O velório do Heitor:

Havia um certo respeito/ no velório do Heitor/ muita gente concordava/ que apesar de catimbeiro/ era bom trabalhador/ houve choro e ladainha/ na sala e no corredor/ e por ser considerado/ seu desaparecimento/ muita tristeza causou.[3]

Podemos notar também em Dona Santina e Seu Antenor:
 
Dona Santina deu anteontem uma feijoada e me convidou/ em homenagem à volta do seu Antenor/ que aos vinte anos de casado escapuliu/ quando viu os olhos da Sandrinha, se amarrou./ Ela nos seus 22/ ele com 53/ imaginem vocês a notícia o que causou no local.[4]


Neste aspecto, Coisas do mundo, minha nega é marcante:


Venho do samba há tempo, nega/ venho andando por aí/ primeiro encontrei Zé fuleiro/ que me falou de doença/ que a sorte nunca lhe chega/ que está sem amor e sem dinheiro/ perguntou se não dispunha de algum que pudesse dar/ puxei então da viola/ cantei um samba pra ele/ foi um samba sincopado/ que zombou do seu azar. [5]


     Em 14 anos e A dança da solidão, uma fala paterna parece aconselhar os atos das personagens. Na primeira, a respeito de uma vocação, por assim dizer, e na segunda, um referencial daqueles que provêm da experiência de uma pessoa mais velha, algo típico no samba.



Tinha eu quatorze anos de idade/ quando meu pai me chamou/ perguntou-me se eu queria estudar Filosofia, Medicina ou Engenharia/ tinha eu de ser doutor./ Mas a minha aspiração/ era ter um violão/ para eu me tornar sambista/ ele então me aconselhou: “sambista não tem valor”/ nessa terra de doutor/ (e seu doutor...)/ o meu pai tinha razão. [6]


Camélia ficou viúva/ Joana se apaixonou/ Maria tentou a morte por causa do seu amor/ Meu pai sempre me dizia: “meu filho tome cuidado/ quando eu penso no futuro/ não me esqueço do passado”. [7]
 


          Em suma, o samba é tido como algo periférico, marginal. Muitas questões podem derivar daí. O saber que ele nos apresenta, pois, aparece como qualquer coisa sem valor em relação aos supostos doutos valores de que 14 anos menciona. A venda de sambas, por exemplo, até mesmo como modo de o compositor sobreviver, é também criticada nesta letra. O sambista jaz num esquecimento, diz Paulinho, ninguém mais se lembra do autor de tal samba, de que morro ou de que escola ele veio. No outro caso, o de A dança da solidão, a voz paterna volta-se agora a uma situação particular, digamos, mais familiar. Vimos aí duas fatalidades: um sambista esquecido e alguém desiludido.





         Podemos dizer que alguns “bodes” que a malandragem passa, assim como os ditos “barracos” eventualmente causados por vizinhas faladeiras e brigões de todo o tipo, também não ficam de escanteio. Com melodia e arranjo incomuns no LP Nervos de aço, Paulinho apresentou uma ocorrência de polícia no samba Comprimido:
 

Deixou a marca dos dentes dela no braço/ pra depois mostrar pro delegado/ se acaso ela for se queixar/ da surra que levou/ por causa do ciúme incontrolado. [8]

Dívidas, uma parceria com Elton Medeiros, narra um “bate-boca danado” entre curiosas figuras.

Descendo ladeira abaixo numa grande correria/ para ver se não perdia a primeira condução/ esqueceu de resgatar uma conta que devia/ a um tal de Oliveira, marido da Conceição/ que pela mulher pressionado foi receber o dinheiro/  só encontrando a Inocência deu início a discussão/ disse tudo o que sentia sem medir as consequências/ num bate-boca danado diante do barracão.[9]

        Enfim, poderíamos passar o dia inteiro ouvindo Paulinho da Viola e a crônica de seus sambas, bem como ao mesmo tempo analisando diversas de suas letras. Aqui, tivemos muito mais o intuito de reavivar uma antiga ideia de pensar o que é inerente ao samba de tal modo que possamos distingui-lo do pagode, por exemplo. E talvez seja esta maneira de apresentar as ocorrências — e as urgências, diga-se — da vida que arranja o samba como crônica da nossa gente.
 







[1] PAULINHO DA VIOLA. A dança da solidão. 1972; Zumbido. 1979.
[2] Ibid., A dança da solidão. 1972.
[3] Ibid., Memórias cantando. 1976.
[4] Ibid., Paulinho da viola. 1971.
[5] Ibid., Paulinho da Viola. 1968.
[6] Ibid., Samba na madrugada – Paulinho da viola e Elton Medeiros. 1968.
[7] Ibid., A dança da solidão. 1972.
[8] Ibid., Nervos de aço. 1973
[9] PAULINHO DA VIOLA & ELTON MEDEIROS. Memórias cantando. 1976.

domingo, 5 de junho de 2011

Pilantröpóv Filofèrnândés e o Ovo




Vocês são amigos imaginários. Sim. Quem não diz isso? Justamente aquele que se afasta das proponências. Aquela que, insistimos, só nasce pelas histórias, pelas narrações. Simples histórias vividas ou não: eis a imaginação. Histórias sem linearidade. Mas nem sabemos se podemos chamá-la de história... Talvez narrativas, narrativas entre amigos. Conversações. Daí surgem as coisas. Daí nascem mais coisas que, por sua vez, como que vivas por si, desdobram-se. É tudo isso o que queremos dizer. Se alguns não compreendem é porque querem que a gente complique, que a gente torne difícil o nosso conceito de amigo e a proponência da Amizade. Mas não é por aí. Dá para explicar pelo som, pelo som que vem dos pátios das escolas, aquele burburinho dos alunos conversando: o que é isto? A proponência? Não é complicado. É ela sim, pois a conversa é como se fosse um ovo. Alguém vê o ovo e diz: "Vai surgir dele alguma coisa, algum bicho!" Este bicho pode ser um amigo novo, uma nova proposta, seja ela imaginária ou não. Ora, e não é da palavra proposta que surge proponente? Puro e simples devir. O Quadrado, dizíamos, não é quadrado, é antes um ovo: