quarta-feira, 18 de julho de 2012

O dia em que você me deu uma flor de camomila

Julho 2012 
Um conto em paragrafão.

          Você gostava daquele canto da casa em que ficava sozinha a pensar. Enfiava-se toda na velha rede de dormir, algodão já puído e um tanto mofado. O sol das três clareava a senhorita embocando-se pelas frestas, assim, compondo quatro pequenas raias amarelas em seu rosto. Qualquer proeza do sol pode ser o que há de mais espetacular num dia. Àquela altura, o horóscopo ainda era a seção do jornal que mais me divertia. Derrubava todo o café quando lia Leão. Ah, mas você também gargalhava a mil comigo nas linhas sobre o amor dos taurinos. Eles decifram uma semana inteira para nós. Essa gente é impossível! Todavia, na rede você tinha o rosto sereno e os olhos fechados. Talvez vadiasse com pensamentos mais pegajosos que outros do cotidiano. Ora, desejar um passeio fora do país não é o mesmo que pensar em pegar o trem. Mas será que você queria viajar? Estávamos tão bem na Vila América, perto de tudo: havia uma padaria tradicional, a biblioteca municipal, o bar do Aroldo, meu primo. Tudo isso era perfeito, nem precisávamos de mais nada na vida. É verdade que nunca mais peguei livros lá na biblioteca, pois suspeitaram que você tivesse moqueado Dom Quixote, os dois volumes da série Ouro! Eu poderia entregá-la porque encontrei um dos tomos dentro da caixa daqueles sapatos que comprei no Brás. Mudou de assunto quando falei disso, pois é, mas nunca gostou que eu trocasse os pontos das conversas... Como posso lhe compreender, mulher, já que me era excessivamente penoso dormir bem quando brigávamos? Sim, fumei todos os charutos deixados pelo pai e fazia tudo o que você não gostava, como, por exemplo, lavar a roupa. Apenas os chás firmavam alguma similitude entre nós dois. Já estava viciada nas ervas fervidas. Foi em fevereiro que você arrasou as cidreiras do quintal, lembro-me como se agora fosse março. Tinha perdido a delicadeza dos primeiros anos, foi o que matutei uma noite inteira a remoer aquele mate e todo o doce foi se acabando como numa ciranda de menina em cantarola. E assim, dessa maneira, feito uma menininha que ainda canta cantigas de roda, você se levantou de uma vez por todas da rede para me dar uma flor de camomila. De uma vez por todas, pois era doce e se acabou.