segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A TRAMA SEM MANDALA, de Thiago Oliveira



Apresento-lhes o prefácio que dedico para o livro do meu amigo THIAGO OLIVEIRA chamado A TRAMA SEM MANDALA.


Sérgio L. Nastasi


É possível que a imersão em frases desdobradas e manobradas até a contramão do acontecimento e do escrito fará o leitor “balançar a pélvis”, pois aqui é tudo muito físico, mundo “urbano, carbônico” de quem é alimentado por uma “comida pop”. Tudo é para além do ontológico, do númeno etc., pois sentimos a fugacidade de todos os fenômenos, sua velocidade, a velocidade como perdemos as mulheres de vista, inúmeros porres, maconhas, cocaínas, vírgulas, texto rápido... Mas não é um escrever por escrever: angustiado autor de um diário que foge à disciplina dos dias. É, antes, os males do estômago, ou uma ânsia de mundo que não dá conta da gente, da poesia, da filosofia, do pensamento sobre o pensamento que passa — e “sem rédeas” —, todas as coisas cruéis alucinadamente elencadas e cadentes sobre um sujeito, como uma “ida ao dentista” ou à “facu”, verdadeiros coitos interrompidos, primado da rapidinha.

Entre as coisas da (des-)ordem do “DESESPERO” e da inquietude, há um sujeito que olha para o céu e não vê Deus, olha para si e vê um “eu-céu”, talvez o próprio reflexo de um “céu-nuvem”, provocantes olhares tortos ou oblíquos. E não há narcisismos, há uma pergunta: por que separam a prosa do verso? Quem orientou tal divórcio? “Como pode uma mente bloquear uma buceta?” Porém, nada disso é respondido. Ninguém consegue responder, nem os positivistas, nem os marxistas, nem os que dizem cuidar dos fenômenos. Quem sabe Deleuze, Deleuze e seus “dígitos”... Contudo, ficam outras questões no ar, que escapam do livro. Um sujeito cadente não é, no entanto, decadente; muito menos levaremos em conta uma questão heideggeriana — o ser-aí caindo: verdadeiro “abandonar o corpo na gravidade”. Ou seja, não é bem por este viés que perguntamos. Mas o que sobra, o que é remanescente de diversas filosofias, aparece e cria o sujeito, a sua determinada subjetividade. Com efeito, um sujeito cadente é fabricado, e tais filosofias são rebarbas causadas, por sua vez, na sua dolorosa passagem pela prancha modelar do comportamento. Um sujeito cadente, assim, é como um produto destacável e, como todo produto, descartável.

Novamente e novamente uma angústia perpassa os sujeitos como se fosse uma demoníaca repetição. A personagem principal, tendo a sua vitalidade posta à prova, não quer simplesmente se sujeitar, e este é todo o seu esforço, mas um esforço cínico que desconstrói as formas dadas ou determinadas, dissolve as fumaças dos ônibus e os tumultos dos metrôs. Dissolve todos os “eus” que um eu pode ser, além de criar forças e voltar a liberar a pélvis inquieta.



sábado, 29 de outubro de 2011

Imprevisão do tempo






- Não quero que fiques,
só quero o que passa.

o que parece que fica
já fica passando

quero o fogo movente
congelo parado

quero o novamente
diferente passado

quero estar ao lado
inibriado e de repente

sou a imprevisão do tempo
nublado e quente

dias de chuva 

noite solar 

sejamos saúvas

a saúde é o mar



(Leandro Acácio e Sérgio L. Nastasi – Outubro 2011)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Breve

Dez e meia da tarde,
esta hora perigosa,
sem vento e sem sol,
sem eu e sem Nós.

Mas, onde está o perigo ?
nas dez e meia,
no mesmo silêncio,
ou nas lembranças?

E quando o silêncio é o mesmo de antes
o Antes é Durante
que não se espalha leve
como a seda leve,
como fogo na seda...

Fim da tarde
e cada passo tornado breve.
Acenda seus pés.


(ANA BORM e Sérgio L. Nastasi - Outubro 2011)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Plantas que não são vegetarianas



fantástica brisa primaveril
que nos quintais refrescam
és carnívora nas flores
e mais estreita nas frestas
não tens do inverno os ardores
nem dos verões o ardil
assumes do vento as formas mais leves
disposta em seus disformes mil

 
que fazer com plantas que não são vegetarianas?
comê-las!

 
seja ágil
como as feras
seja frágil
como as eras
seja simultâneo
como o espinho
de uma dor intensa
mas efêmera




Sérgio L. Nastasi e Leandro Acácio - Outubro 2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O método desviante



Neste post, reproduziremos um belo texto da professora Jeanne Marie, da PUC-SP. 


O método desviante


Por Jeanne Marie Gagnebin

Algumas teses impertinentes sobre o que não fazer num curso de filosofia.





Como uma boa e velha professora de filosofia, prefiro cercear o assunto, amplo demais, por caminhos negativos, desvios e atalhos que não parecem levar a lugar algum. Digo “professora de filosofia”, porque meu território de atuação é, primeiramente, a sala de aula e a dinâmica com os estudantes, com todas as vantagens e todas as restrições que o ensino universitário no Brasil traz consigo. E digo também uma “velha” professora de filosofia porque posso me permitir, hoje, nesse momento de minha carreira acadêmica, algumas provocações que não vão (pelo menos, assim o espero!) colocar em questão nem meu contrato nem meu emprego. Imagino que os jovens colegas, com ou sem vaga ainda, não ousariam pensar de tal maneira, pelo menos explicitamente, porque têm que assegurar primeiro seu lugar no sol. Ofereço a eles um pequeno descanso na sombra.

Primeira regra para o reto ensino, em particular, o reto ensino da filosofia: não temer os desvios, não temer a errância. Os programas e “cronogramas” somente servem de esboços utópicos do percurso de uma problemática. Não esquecer que o tempo é múltiplo: não é somente “chronos” (uma concepção linear que induz falsamente a uma aparência de causalidade), mas é também “aiôn” (esse tempo ligado ao eterno, que, confesso, ainda não consegui entender...) e, sobretudo, “kairos”, tempo oportuno, da ocasião que se pega ou se deixa, do não previsto e do decisivo. Quando algo acontece na aula, quando algo pode ser, subitamente, uma verdadeira questão (para todos: estudantes e professor, não só para este último), aí vale a pena demorar, parar, dar um tempo, descrever o impasse e, talvez, perceber que algo está começando a ser vislumbrado, algo que ainda não tinha sido pensado (não por ninguém na tradição filosófica inteira, isso é abstrato, mas por ninguém dos participantes concretos agora e aqui na aula), algo novo e, portanto, que não sabemos ainda como nomear.

Segunda regra para o reto ensino, já cheio de desvios: não ter medo de “perder tempo”, não querer ganhar tempo, mas reaprender a paciência. Essa atitude é naturalmente muito diferente, imagino, num ensino dito técnico, no qual os estudantes devem aprender várias técnicas, justamente, vários “conteúdos”, ensino essencial para o bom funcionamento de várias profissões. Mas, no ensino da filosofia (e talvez de mais disciplinas se ousarmos pensar melhor), paciência e lentidão são virtudes do pensar e, igualmente, táticas modestas, mas efetivas, de resistência à pressa produtivista do sistema capitalista-mercantil-concorrencial etc. etc. (esqueci de dizer que a velha professora tinha 20 anos em 1968). Lyotard disse isso lindamente:


“Si l’un des principaux critères de la réalité et du réalisme est de gagner du temps, ce qui est, me semble-t-il, le cas aujourd’hui, alors le cours de philosophie n’est pas conforme à la réalité d’aujourd’hui. Nos difficultés de professeurs de philosophie tiennent essentiellement à l’exigence de la patience. Qu’on doive supporter de ne pas progresser (de façon calculable, apparente), de ne faire que commencer toujours, cela est contraire aux valeurs ambiantes de prospective, de développement, de ciblage, de performance, de vitesse, de contrat, d’exécution, de jouissance” 1 (« Le Postmoderne Expliqué aux Enfants », Galilée, 1986, Paris, pp. 158/159).

Terceira regra desviante: não querer ser “atual”, estar na moda, up to date, mas assumir o anacronismo produtivo, uma não-conformidade ao tempo (Unzeitgemässheit, dizia Nietzsche), não correr atrás das novidades (mercadorias intelectuais ou não), mas perceber o surgimento do devir no passado antigo ou no presente balbuciante, hesitante, ainda indefinido e indefinível. Deixar que essa hesitação possa desabrochar. Não procurar por normas e imperativos, mesmo na desorientação angustiante, mas conseguir dizer, de maneira diferenciada, as dúvidas. (Caro leitor, você já percebeu a quantos imperativos somos submetidos, somente andando 10 km na cidade ou lendo uma revista? O tempo do imperativo é o da propaganda).

Resistir, portanto à tentação do professor e do “intelectual” em geral de ter de encontrar uma saída, uma solução, uma lei, uma verdade, um programa de partido ou não. Aguentar a angústia. Adorno dizia que essa dimensão era uma dimensão de resistência não só ao sistema dominante do mundo administrado, mas também aos sonhos de dominação do pensamento. Não querer colocar uma ordem necessária onde há primeiro, desordem, não confundir “taxinomia”, arranjo em várias gavetas com pensamento -pois pensar é, antes de mais nada, duvidar, criar caminhos, perder-se na floresta e procurar por outro caminho, talvez inventar um atalho.

Quarta regra de método desviante (“Método é desvio”, dizia um velho mestre quase chinês, Walter Benjamin): não se levar tão a sério assim, só porque estudou latim e grego ou fez doutorado na Alemanha ou consegue entender Heidegger. Mais radicalmente: não levar demais a sério as “opiniões” pessoais, em particular as suas. São, no melhor dos casos, somente a ocasião de ir além delas, do reino dito encantado das “idéias” e “crenças” subjetivas. Não cair na ilusão liberal de que a liberdade se esconde nas escolhas individuais, arbitrárias e/ou manipuladas. Se há algo que a reflexão filosófica pode realmente ajudar a pensar é a necessidade de ultrapassar, de ir além -isto é de “transcender”- os pequenos narcisismos individuais para vislumbrar “o vasto oceano da Beleza” (dizia o velho Platão), o Reino do Espírito, dizia outro velho senhor idealista, hoje talvez digamos o “enigma do Real” ou, então, as linhas de fuga e os acontecimentos.

Essa dimensão “objetiva” (não em oposição ao “sujeito”, mas levando em questão a materialidade e a historicidade das “coisas” que nos resistem e nos atraem) do pensamento justifica a exigência, imprescindível, da diferenciação conceitual, isto é, do esforço e da ascese (askesis, ou exercício, em grego) conceituais: não se trata de malabarismos intelectuais complicados, mas de tentativas sempre reiteradas de compreender o “real” sem violentá-lo. Esse esforço, essa “paciência do conceito”, vai, de novo, contra a pressa reinante, e também contra os “achismos” tão prezados na imprensa e na televisão, nos meios ditos de “comunicação”. Também resiste à ilusão de que o debate de idéias, como se diz, seja um enfrentamento de dois ou mais oradores brilhantes (ou não) que tentam, cada um, fazer prevalecer sua opinião sobre a opinião do outro.

A ascese conceitual também implica o aprendizado de um certo despojamento da vontade individual e concorrencial de auto-produção perpétua em detrimento dos outros. Não se trata de ser melhor que os outros, mas de estar atento às possibilidades de transformação da realidade, portanto, de não passsar ao lado dela, de compreendê-la melhor, na sua possível mutabilidade. Isso implica, aliás, que, muitas vezes, não sei, não posso dizer nada que ajude, portanto também ouso calar-me, não cedo à tentação de falar sobre tudo e qualquer coisa.

Conclusão: não se dobrar aos imperativos mercantis-intelectuais da “produção” de “papers” e da contagem de pontos nos inúmeros “curricula” e relatórios administrativos-acadêmicos: se tiver que contar “pontos”, conte para que lhe deixem em paz, mas não confunda isso com trabalho intelectual ou mesmo espiritual. Já que temos o privilégio de lecionar filosofia, isto é, uma coisa de cuja utilidade sempre se duvidou, vamos aproveitar esse grande privilégio (de classe, de profissão, de tempo livre) e solapar alguns imperativos ditos categóricos e racionais: contra a pressa, a produtividade, a concorrência, a previsibilidade, a especialização custe o que custar, as certezas e as imposições. Podemos exercer, treinar, mesmo numa sala de aula, sim, pequenas táticas de solapamento, exercícios de invenção séria e alegre, exercícios de paciência, de lentidão, de gratuidade, de atenção, de angústia assumida, de dúvida, enfim, exercícios de solidariedade e de resistência.

(Publicado em 3/12/2006)
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Jeanne Marie Gagnebin
É professora de filosofia na PUC/SP e de teoria literária na Unicamp, autora, entre outros, de "História e Narração em Walter Benjamin" (Perspectiva, 1994) e de "Sete Aulas sobre Linguagem, Memória e História" (Imago, 1997).

1 - “Se um dos principais critérios da realidade e do realismo é ganhar tempo, o que é, me parece, o caso hoje em dia, então o curso de filosofia não se ajusta à realidade de hoje. Nossa dificuldade de professores de filosofia concerne essencialmente à exigência de ser paciente. Que se deva suportar não progredir (de maneira calculável, aparente), ter que começar sempre, isso é contrário aos valores dominantes de prospectiva, de desenvolvimento, de alvo, de performance, de velocidade, de contrato, de execução, de gozo.” (tradução da Redação)

  • Do site: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2807,1.shl

sábado, 1 de outubro de 2011

Um poema de MALLARMÉ

Toda a alma num resumo
Quando lentamente expira
Em cada espira de fumo
Abolida à nova espira


Atesta qualquer cigarro
Queimando sábio por pouco
Que uma cinza se separe
De um claro beijo de fogo


Tal o coro das violas
Ao lábio voa servil
Exceto se tu violas
O real porquanto vil


Ser mais preciso rasura
Tua vaga literatura



(Tradução de Haroldo de Campos)