sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Em defesa do etc. com Deleuze.

Gilles Deleuze e Claire Parnet.

Apresento-lhes um fragmento da minha monografia sobre o filósofo francês Gilles Deleuze. Trata-se de uma leitura do livro Diferença e repetição (1968).


Deleuze invoca um pensamento que se arrisque em aventuras diferenciais, um pensamento criador, de encontros, um pensamento, portanto, do Acontecimento. Talvez todo o esforço do nosso autor tenha sido o de marcar uma Filosofia da diferença e da repetição por um pensamento sem Imagem em favor dos processos dinâmicos que, por meio das relações diferenciais, ou melhor, por meio das atualizações das múltiplas virtualidades da Ideia, nos permite distribuições nômades, heterotopias, digamos, notáveis. Um pensamento sem Imagem pode, para além de uma possibilidade condicionada, aumentar as nossas potências[1].

Poemas, romances, filmes, canções... Estas são forças capazes de abalar a tranquilidade e a segurança dada pela Imagem. Suas linhas de ação são diferenciais bem como as notáveis posições de um embrião, os inúmeros e singulares contorcionismos que há dentro de um ovo. Forças essas que pensam e que forçam a pensar. A criação é processada pela diferença, pelo complexo diferenciação e diferençação da Ideia. Como o encontro de pontos notáveis é um Acontecimento, ele não é um resultado preexistente e passivo de erro por metódicas proposições. Nada disso. É a novidade que consideramos singular, notável e extraordinária: uma arte que nos tira dos eixos e abala os oito postulados da Imagem do pensamento e que, com a diferença e a repetição, faz nascer um pensamento sem Imagem. Com isso queremos dizer que “pensar é criar, não há outra criação, mas criar é, antes de tudo, engendrar ‘pensar’ no pensamento”[2]. Se pensar é algo forçado, como fica a boa natureza ou mesmo a boa vontade do pensamento requisito do primeiro postulado? Vemos que as nossas questões mudam de figura porque agora é preciso perguntar pelo trabalho da recognição e, em consequência deste, o da representação, ou seja, diante do novo os critérios da generalidade são silenciados quando passamos a entender que


O que se estabelece no novo não é precisamente o novo, pois o próprio do novo, isto é, a diferença, é exigir, no pensamento, forças que não são as da recognição, nem hoje, nem amanhã, potências de um modelo totalmente distinto, numa terra incógnita nunca reconhecida, nem reconhecível. [3]

                                                                     

Tal é a exigência das criações: o novo não nasce velho. As artes denunciam os condicionamentos que as submetem aos critérios de igualdade e de semelhança. Portanto, procedem na contramão dos regulamentos e mediações, mas não o fazem de maneira dialética, pois os movimentos notáveis não têm o negativo como motor, porém, antes, têm a afirmação, isto é, pontos extraordinários fazendo com que “a Diferença se expresse com uma força repetitiva de cólera”[4].



[1] Aqui devemos entender a palavra potência no sentido que vemos em Spinoza e Nietzsche, não como simples possibilidade, sentido aristotélico do termo. Ver, por exemplo: DELEUZE, Gilles. Espinosa, filosofia prática. São Paulo, Escuta, 2002, pp. 23-35. Tradução brasileira: Daniel Lins e Fabien Pascal Lins.
[2] DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. São Paulo, Graal, 2009, p. 213. Tradução brasileira: Roberto Machado e Luiz B. L. Orlandi.
[3] Ibid., 198.
[4] Ibid., p. 404.

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