Gilles Deleuze e Claire Parnet. |
Apresento-lhes um fragmento da minha monografia sobre o filósofo francês Gilles Deleuze. Trata-se de uma leitura do livro Diferença e repetição (1968).
Deleuze
invoca um pensamento que se arrisque em aventuras diferenciais, um pensamento
criador, de encontros, um pensamento, portanto, do Acontecimento. Talvez todo o esforço do nosso autor tenha sido o de
marcar uma Filosofia da diferença e da repetição por um pensamento sem Imagem em favor dos processos dinâmicos
que, por meio das relações diferenciais, ou melhor, por meio das atualizações
das múltiplas virtualidades da Ideia,
nos permite distribuições nômades, heterotopias, digamos, notáveis. Um
pensamento sem Imagem pode, para além
de uma possibilidade condicionada, aumentar as nossas potências[1].
Poemas,
romances, filmes, canções... Estas são forças capazes de abalar a tranquilidade
e a segurança dada pela Imagem. Suas
linhas de ação são diferenciais bem como as notáveis posições de
um embrião, os inúmeros e singulares contorcionismos que há dentro de um ovo.
Forças essas que pensam e que forçam a pensar. A criação é processada pela
diferença, pelo complexo diferenciação
e diferençação da Ideia. Como o encontro de pontos
notáveis é um Acontecimento, ele não
é um resultado preexistente e passivo de erro por metódicas proposições. Nada
disso. É a novidade que consideramos singular, notável e extraordinária: uma
arte que nos tira dos eixos e abala os oito postulados da Imagem do pensamento e que, com a diferença e a repetição, faz
nascer um pensamento sem Imagem. Com
isso queremos dizer que “pensar é criar, não há outra criação, mas criar é,
antes de tudo, engendrar ‘pensar’ no pensamento”[2].
Se pensar é algo forçado, como fica a boa
natureza ou mesmo a boa vontade do
pensamento requisito do primeiro postulado? Vemos que as nossas questões
mudam de figura porque agora é preciso perguntar pelo trabalho da recognição e,
em consequência deste, o da representação, ou seja, diante do novo os critérios
da generalidade são silenciados quando passamos a entender que
O que se estabelece no novo
não é precisamente o novo, pois o próprio do novo, isto é, a diferença, é
exigir, no pensamento, forças que não são as da recognição, nem hoje, nem
amanhã, potências de um modelo totalmente distinto, numa terra incógnita nunca reconhecida, nem reconhecível. [3]
Tal é a exigência das criações: o novo não nasce velho. As artes denunciam os condicionamentos que
as submetem aos critérios de igualdade e de semelhança. Portanto, procedem na
contramão dos regulamentos e mediações, mas não o fazem de maneira dialética,
pois os movimentos notáveis não têm o negativo como motor, porém, antes, têm a
afirmação, isto é, pontos extraordinários fazendo com que “a Diferença se
expresse com uma força repetitiva de cólera”[4].
[1] Aqui devemos entender a palavra potência no sentido que vemos em Spinoza e Nietzsche, não como simples possibilidade, sentido aristotélico do termo. Ver, por exemplo: DELEUZE, Gilles. Espinosa, filosofia prática. São Paulo, Escuta, 2002, pp. 23-35. Tradução brasileira: Daniel Lins e Fabien Pascal Lins.
[2] DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. São Paulo, Graal, 2009, p. 213. Tradução brasileira: Roberto Machado e Luiz B. L. Orlandi.
[3] Ibid., 198.
[4] Ibid., p. 404.
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