sábado, 6 de agosto de 2011

A Famigerada Nau dos Loucos



Em comemoração aos 50 anos de História da Loucura na Idade Clássica (1961), muitos eventos acontecem este ano. Ora, nosso blogue não poderia deixar de mencioná-lo. Mas, de tantos motes abordados neste livro, atiçaremos a sua curiosidade com apenas uma das belas descrições feitas por Michel Foucault que, acreditamos, não escapará à nossa lembrança tão cedo: a Stultifera Navis ou, simplesmente, a Nau dos Loucos.
Sobre ela, Foucault escreve:


A Narrenschiff é, evidentemente, uma composição literária, emprestada sem dúvida do velho ciclo dos argonautas, recentemente ressuscitado entre os grandes temas míticos e ao lado de Blauwe Schute de Jacob Van Oestvoren em 1413, de Borgonha. A moda é a composição dessas Naus cuja equipagem e heróis imaginários, modelos éticos ou tipos sociais, embarcam para uma grande viagem simbólica que lhes traz, senão a fortuna, pelo menos a figura de seus destinos ou suas verdades. É assim que Symphorien Champier compõe sucessivamente uma Nau dos Príncipes e das Batalhas da Nobreza em 1502, depois uma Nau das Damas Virtuosas em 1503. Existe também uma Nau da Saúde, ao lado de Blauwe Schute de Jacop van Oestvoren em 1413, da Narrenschiff de Brant (1497) e da obra de Josse Bade: Stultiferae erae naviculae scaphae fatuarum mulierum (1498). O quadro de Bosch, evidentemente, pertence a essa onda onírica. 

Mas de todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff é a única que teve existência real, pois eles existiram, esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos. Esse costume era freqüente particularmente na Alemanha: em Nuremberg, durante a primeira metade do século XV, registrou-se a presença de 62 loucos, 31 dos quais foram escorraçados. Nos cinqüenta anos que se seguiram, têm se vestígios ainda de 21 partidas obrigatórias, tratando-se aqui apenas de loucos detidos pelas autoridades municipais. Eram freqüentemente confiados a barqueiros: em Frankfurt, em 1399, encarregam-se marinheiros de livrar a cidade de um louco que por ela passeava nu; nos primeiros anos do século XV, um criminoso louco é enviado do mesmo modo a Mayence. Às vezes, os marinheiros deixavam em terra, mais cedo do que haviam prometido, esses passageiros incômodos; prova disso é o ferreiro de Frankfurt que partiu duas vezes e duas vezes voltou, antes de ser reconduzido definitivamente para Kreuznach. Freqüentemente as cidades da Europa viam essas naus de loucos atracar em seus portos.


FOUCAULT, Michel. História da loucura na idade clássica. São Paulo, Perspectiva, 1978, pág. 13.

3 comentários:

  1. Estava procurando coisas sobre a loucura e encontrei o seu blog! Leandro.

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  2. Leia: http://repositorio.favip.edu.br:8080/bitstream/123456789/978/1/Trabalho+de+Conclus%C3%A3o+de+Curso+-++Ellcio+Ricardo+de+Melo+Farias.pdf

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  3. Ainda hoje o louco não é aceito na sociedade, a família não assume responsabilidades pelo seu cuidado. Muitos ainda reclamam do fim do isolamento dos manicômios, alegando dificuldades no novo sistema de atendimento do CAPS. No final grande parte desses loucos que deveriam ser acolhidos em seus lares e em suas comunidades simplesmente são deixados na rua, ora violentos, ora violentados.

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