OS PALAVRÕES E AS COISAS
OU O PROIBIDÃO DA FILOSOFIA
EDUARDO DE ARAÚJO BENTO
SÉRGIO LIMA NASTASI
PREÂMBULO: DO HERMETISMO AO DIDATISMO
O GRANDE CÉREBRO PELUDO (parte II)
Leia a parte I no blog do Edu: Bosquejos.
Sabemos que a síntese faz da Filosofia um “jardim de caminhos bifurcados”. No entanto, ao colocar o buraco negro nesse problemático balaio, temos de lidar com o fatídico labirinto do cognitivo que nos dá uma terceira linha de pensamento; resulta daí uma síntese ternária, uma metátese (μετάθεσις). Tal aberração filosófica assinala, originalmente, duas dinâmicas operadas pela Inversão, a saber, Subversão (volver de baixo para cima) e Supraversão (volver de cima para baixo). Por sua vez, estas simples dinâmicas supõem um terceiro fluido envolvente, sagaz e sensual: a Perversão, que corrompe, desvirtua e permeia os sentidos. Pensamos, portanto, em dois elementos que, para entrecruzarem-se numa síntese, precisam ou pressupõem um terceiro que os permeie como pano de fundo. Com a μετάθεσις, então, passamos de pensar o pensamento para a curiosa e misteriosa tentativa de pensar o impensado. Contudo, é possível tal transposição? E em que sentido ela é diabólica?
Quiçá o Conhecer nada tenha a ver com a saída do labirinto, mas com o encontro solene com o Fio de Ariadne, pois a festa do conhecimento é a descoberta de novas ignorâncias. Conhecer, deste modo, é não ser engolido pelo o que queremos saber. Mas aquilo que suspeitávamos ser — superficialmente — o processo do Conhecer, ou seja, da δόξα ao conceito, é tão problemático que põe em dúvida as clássicas estruturas da Filosofia, principalmente a Síntese, e as fragmenta em dinâmicas interpenetrantes como as da Inversão. É o pano de fundo da Perversão que “os clássicos” parecem ignorar. Não queremos dizer, com isso, que uma escrita sintética de modo nenhum reconheça a multiplicidade, mas que a esconde para destacar uma coisa e outra, isto é, uma escrita sintética tem um compromisso — didático? Convém lembrar que evocamos um epistêmico labirinto onde vive o Cérbero das três cabeças do ∞. Alguns filósofos se divertiriam nele, porém Heráclito, sem dúvida, não entraria duas vezes, embora Tales tenha afirmado que ali tudo é parede. Parede que Platão escalaria numa frenética ascese ao fugir dos ferozes cães dos cínicos. Bem mais tarde veríamos Kant dar alguns nós no Fio de Ariadne, o qual Nietzsche enfiaria uma dionisíaca tesoura.
Destarte, estamos prontos para considerar a validade da μετάθεσις na imensidão dos caminhos tortuosos do labirinto do saber. Se há, ou não, como conceber o indeterminado (ἄπειρον) do ∞, isso fica para o intento mordaz de uma filosofia que pensa a si mesmo. Quando pensa. Se é que chega a pensar perante a fronteira limitada (πέρας) do nosso cérebro parrudo e peludo. Não obstante, quais seriam os conceitos que nos levariam ao que nunca fora pensado? Se a Síntese é o teor de uma envolvente dualidade entre opiniões e conceitos, a μετάθεσις é o ménage à trois dos mesmos conceitos, com a δόξα e os palavrões.
A tradição filosófica não quer inventar o que poderia muito bem ser originado das palavras obscenas, de baixo calão – ou seriam, nesses termos, de alto calão? Nesta viragem, poder-se-á admitir as anomalias conceituais, pelas quais e, (in)dubitavelmente colocamo-las à mostra, com a glande escoriada, ou a vulva dilacerada pela antiquíssima condição metodológica, com a qual a Filosofia insiste em lançar dardos, de maneira cega e para todos os lados, porém de forma demasiadamente ordenada.
Deste modo, neste momento fortuito, há a emergência das questões precedidas de possíveis – apenas improváveis – respostas ao desígnio originário do problema que nos propusemos a discutir. Para não esfriar os ânimos pervertidos, a seguir, apresentaremos um hipotético (patético?) jogo de perguntas, considerações e respostas entre dois personagens amplamente fictícios, porém com questões, dúvidas e inferências reais (ou seriam academicamente irreais?):
P - Será que um signo, em sua imensa solidão, é um em-si aberto e trata-se de um infinito-etc, enquanto um significado, ou diversos signos abraçados, é um para-si fechado e trata-se de um infinito-definido?
R - Seremos céticos ao considerarmos que o ∞ pode ser definido; parece-nos que o signo é a finitude da definição. Se considerarmos os paradoxos de Zenão cairíamos em um cálculo infinitesimal de perguntas e respostas que estão aquém do signo-significado-significante. Assim, o símbolo que usamos para representar a nossa indefinição, nada mais é que uma criação didática, um consenso (por vezes contra-senso) usado na tentativa de sistematizar o infinito. Mas, com dificuldade, poderíamos cair em uma quíntupla representação da finitude animada em Q, ∑, δ, S0, F, o que nos deixaria pelados em um beco sem-saída. Portanto, para não ficarmos suspensos no futuro, pensemos...
P - Se a pergunta do didático é como fazemos para entender? A do hermético pode ser como fazemos para não desaprender?
R - Ou mesmo como podemos desconhecer o impensado na nossa condição primordial em não crer cegamente nas estórias conceituais.
P - As palavras, como meros conceitos nominais, dizem pouco diante do que dizem os palavrões?
R - Apostamos que nem chegam a dizer algo, quando são apenas opiniões conceituais, livre das autênticas perversões.
P - A que mundo pertence os palavrões quando uma filosofia reivindica sua dinâmica pervertida?
R - É do mundo extra-conceitual; não se trata de um retorno ao senso comum, mas sim, da busca dionisíaca de uma “novidade” não cotidiana e, muito menos, de um conceito enterrado a sete palmos do chão.
Que a nossa patologia, então, seja labirintite extra-conceitual, e que ela reclame um super-filósofo (como o Übermenschen do Nietzsche), herói do buraco negro e de sua pervertida conceitualização. É porque se veem ameaçados pelo o que desconhecem que “os clássicos” enfiam seus grossos volumes nas nossas estantes, tendo a Inversão como sua maior distração (Marx que inverte Hegel...). Ora, não quisera Descartes formatar a supracitada vertigem do saber pelo método da énumération, analyse, ordre, clarté et distinction? Talvez não haja dúvida que uma palavra, em representar, seja um desenho (de-signo) “permanente” tratando da empiria variável por uma epistemologia que é, nada mais nada menos, que um projeto vagabundo do Mesmo. Assim, o super-filósofo, em viva oposição ao rei-filósofo de Platão, é sagaz diante das safadezas do Mesmo, possui as três pernas de que falávamos e larga a velha Inversão para brincar com as dinâmicas da Perversão, quais sejam, não sabemos!
Opa!! Gostei do texto, parabéns!!
ResponderExcluirPataqueuparéo!
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