Julho 2012
Um conto em paragrafão.
Você gostava daquele canto da casa em que ficava sozinha a pensar.
Enfiava-se toda na velha rede de dormir, algodão já puído e um tanto mofado. O
sol das três clareava a senhorita embocando-se pelas frestas, assim, compondo quatro
pequenas raias amarelas em seu rosto. Qualquer proeza do sol pode ser o que há
de mais espetacular num dia. Àquela altura, o horóscopo ainda era a seção do
jornal que mais me divertia. Derrubava todo o café quando lia Leão. Ah, mas você também
gargalhava a mil comigo nas linhas sobre o amor dos taurinos. Eles decifram uma
semana inteira para nós. Essa gente é impossível! Todavia, na rede você tinha o rosto sereno e os olhos
fechados. Talvez vadiasse com pensamentos mais pegajosos que outros do
cotidiano. Ora, desejar um passeio fora do país não é o mesmo que pensar em
pegar o trem. Mas será que você queria viajar? Estávamos tão bem na Vila
América, perto de tudo: havia uma padaria tradicional, a biblioteca municipal,
o bar do Aroldo, meu primo. Tudo isso era perfeito, nem precisávamos de mais
nada na vida. É verdade que nunca mais peguei livros lá na biblioteca, pois
suspeitaram que você tivesse moqueado Dom
Quixote, os dois volumes da série Ouro! Eu poderia entregá-la porque
encontrei um dos tomos dentro da caixa daqueles sapatos que comprei no Brás. Mudou de assunto quando falei disso, pois é, mas nunca gostou que eu
trocasse os pontos das conversas... Como posso lhe compreender, mulher, já que me era excessivamente penoso dormir bem quando brigávamos?
Sim, fumei todos os charutos deixados pelo pai e fazia tudo o que você não
gostava, como, por exemplo, lavar a roupa. Apenas os chás firmavam alguma
similitude entre nós dois. Já estava viciada nas ervas fervidas. Foi em
fevereiro que você arrasou as cidreiras do quintal, lembro-me como se agora fosse
março. Tinha perdido a delicadeza dos primeiros anos, foi o que matutei uma noite
inteira a remoer aquele mate e todo o doce foi se acabando como numa ciranda de
menina em cantarola. E assim, dessa maneira, feito uma menininha que ainda
canta cantigas de roda, você se levantou de uma vez por todas da rede para me
dar uma flor de camomila. De uma vez por todas, pois era doce e se acabou.